sexta-feira, 27 de setembro de 2013



Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida! ...

Sou aquela que passa e ninguém vê ...
Sou a que chamam triste sem o ser ...
Sou a que chora sem saber porquê ...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

Florbela Espanca

terça-feira, 25 de junho de 2013

Ler ao espelho

Das experiências mais incríveis de leitura que alguma vez tive: ler ao espelho. O comum é poder transportar um livro e poder lê-lo em qualquer parte. Quando estamos extremamente absorvidos pelo enredo, há partes que nos ultrapassam. Neste caso, a Alice, personagem irreverente de "Deixem falar as pedras" resolve escrever uma carta ao Valdemar ao contrário, do avesso, como já era hábito. O resultado foi este: cheguei a casa e pus-me a lê-lo ao espelho.  Saber contar histórias com todo o detalhe é um dom. Parabéns, David Machado.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Abraço


"Quando leio há uma voz que lê dentro de mim. Paro o olhar sobre o texto impresso, mas não acredito que seja o meu olhar que lê. O meu olhar fica embaciado. É essa voz que lê. Quando é séria, ouço-a falar-me de assuntos sérios. Às vezes, sussurra-me. Às vezes grita-me. Essa voz não é a minha voz. Não é a voz que, em filmagens de festas de anos e de natais, vejo sair da minha boca, do movimento dos meus lábios, a voz que estranho por, num rosto parecido com o meu, não me parecer minha. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas não é minha. Não é a voz dos meus pensamentos. (...)

Talvez já tenhas percebido que eu não sou eu. Eu sou a própria voz que ouves quando lês. Hoje, pela primeira vez, quero falar directamente contigo. Quero dizer que existo nestas palavras. Através delas, quero apenas dizer-te que existo. Estou aqui. As palavras que te digo desde que aprendeste a ler, a ouvir-me, são o meu corpo. Eu sou todas essas palavras. Sou as palavras que deixei dentro de ti e que sabes de cor. Sou as palavras que esqueceste..."